17 Abr Localização de Valor: (in)felicidade a nossa, somos a cauda da Europa. Quando a localização periférica nos protege!
(esta reflexão podia ser sobre o Covid19, mas não é!)
“La géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre (a Geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra).”
Yves Lacoste, 1976
Nas ciências geográficas, a localização é o ponto de partida para o conhecimento de qualquer fenómeno, seja ele, natural, humano, em contexto urbano ou rural. Quando pensamos num fenómeno, mundial ou local, a inquietação que se impõe é onde?
Onde está a acontecer, onde aconteceu, onde pode vir a acontecer.
Aqui é a localização que temos como absoluta, a nossa e os fenómenos que nela acontecem. Lá é a nossa localização relativamente aos fenómenos dos outros, Onde? Lá… mas e quando o lá passa a ser cá? Confuso?!
A localização de Portugal no contexto do continente europeu, sempre foi assumida como periférica face ao centro político e económico da Europa. Tendo a sua fronteira terrestre com Espanha estabelecida desde 1297 pelo Tratado de Alcanizes, sair ou chegar a Portugal por via terreste, pressuponha desde logo tomar balanço para atravessar os Pireneus!
A periferia europeia e peninsular não permitiu a Portugal marcar presença nas principais plataformas de circulação de pessoas e bens, entre o Mundo e a Europa. E, neste caso, ainda bem!
A nossa localização periférica tem vindo a demonstrar ser um dos fatores de proteção nesta guerra epidémica, que não sendo bélica não conhece fronteiras políticas nem estados soberanos, e por isso atinge todos por igual.
A localização como polo de atração de pessoas tem revelado ser o maior constrangimento à disseminação da pandemia: quanto maior a capacidade de atração, maior o número de pessoas a circular e com isso, mais contágios, maior o risco de propagação. A propagação da pandemia no norte de Itália, infelizmente, comprova isso mesmo.
A localização de Portugal tornou-se numa condição valiosa no combate à pandemia. Sendo periférica, a pandemia chegou mais tarde e com moderação. A chegada retardada do fenómeno tem permitido uma maior preparação por parte da população e do Estado, que no exercício máximo da sua função, tem como dever proteger os seus. Como? Desde logo, fechando fronteiras!
Quando em 1297, D. Dinis estabeleceu as fronteiras terrestres do país, estabelecia os limites do seu território e a proteção das suas gentes contra o inimigo numa eventual guerra, essa sim, bélica. Em 2020, afirmar as fronteiras, fechando-as, voltou a ser o recurso para proteger o país, na sua localização longínqua.
Assim, a nossa localização, onde importa ficar como medida de proteção, tornou-se literalmente, vital. As nossas latitude e longitude, definem o ponto onde devemos ficar para nos protegermos. Sabemos agora, um mês após a implementação das medidas de restrição à propagação da pandemia, que ficar passou a ser um lugar seguro.
Ficar, contraria a História e a própria natureza humana. Perante a ameaça e a guerra, a perceção de insegurança, tradicionalmente, intensifica os movimentos da população, motivando a saída de áreas repulsivas para procurar acolhimento em áreas seguras.
As migrações em tempo de guerra são uma estratégia de sobrevivência perante a ameaça real de um inimigo identificado. Neste caso, o inimigo goza de invisibilidade, e partir não é opção a ficar. Combater nesta guerra, implica ficar e conservar de forma absoluta a posição, as coordenadas individuais para um esforço coletivo.
Como se movimentam agora as pessoas? Que novos territórios do quotidiano emergiram nesta guerra epidémica? Quase em espelho!
As migrações têm agora outra configuração, as deslocações pendulares casa-trabalho-casa, passam agora a ser casa-casa-casa. A casa é hoje o novo espaço de trabalho, de estudo e de lazer. Regressámos a casa. Recolhemos muitos de nós aos territórios, outrora dormitórios dos centros financeiros e comerciais.
E estariam os nossos bairros preparados para nos receber a tempo inteiro, produzindo mais resíduos sólidos urbanos, por exemplo? Deixando mais lixo nas ruas pressionando o sistema de higiene urbana, por exemplo? A Google ajuda!
Fonte: “COVID-19 Community Mobility Report”, Google, março 2020
Com o recurso à localização dos utilizadores de smartphones, a Google produziu o relatório COVID-19 Community Mobility Report para apoiar as autoridades a dimensionar a necessidade dos recursos/respostas em função da localização e do padrão de deslocações das pessoas.
A modelização dos dados anonimizados da localização e deslocação das pessoas permite cartografar o fenómeno, criar cenários e com isso, definir estratégias de prevenção, reforço e combate à pandemia. Ao mesmo tempo, a análise desta informação possibilita a avaliação das medidas governamentais adotadas, sobretudo ao nível da restrição da mobilidade e confinamento da população.
No contexto português, sabemos agora que as deslocações por lazer, caíram 83%. Ao nível do comércio de bens de primeira necessidade (mercearia e farmácia) a queda registou 59%, na utilização de transportes públicos regista-se uma quebra de aproximadamente 80%.
O que nos dizem estes números? Que estamos em casa, que trabalhamos e estudamos em casa. E que o bairro passou a ser o destino de lazer, com um aumento de 22% no que se refere às deslocações das pessoas.
Passámos a ser residentes com maior consumo local, mas também para isso a nossa localização é determinante para sabermos quantos somos e onde estamos. Medir a pressão sobre o território é fundamental para dimensionar a resposta dos serviços à nova realidade quotidiana, pois por exemplo, há lixo que já não se faz lá, no local de trabalho ou estudo. Os indivíduos e as famílias têm vindo a adaptar-se, mas o governo local, certamente que também!